No tempo em que ainda era um simples estudante de medicina, numa universidade do meio oeste dos Estados Unidos, Marlin nutria a estúpida preocupação com um mundo cheio de pessoas aleijadas e doentes sem esperança de cura.
Por essa razão, era partidário da eutanásia e da eliminação dos aleijados sem cura. Moço e irreverente, costumava travar calorosas discussões com os colegas que pensavam de maneira diferente da sua. Aos seus inflamados argumentos, os companheiros respondiam: “mas então você não vê que nós aqui estamos estudando medicina precisamente para cuidar dos aleijados e dos coxos cegos?” -Os médicos existem neste mundo para curar os doentes”. Era sempre a resposta que ele dava. “E se nada podemos fazer nada em seu beneficio, o melhor para eles é a morte”.
No entanto, uma noite, enquanto prestava serviço interno no hospital, no útimo ano do curso, Marlin foi chamado para assistir a uma paciente imigrante alemã, que morava num bairro miserável da cidade. Era o décimo filho que a pobre mulher dava à luz, e o bebê entrou neste mundo com uma das perninhas mais curta do que a outra. Antes de fazer com que a criança pudesse respirar por si mesma, acudiu-lhe um pensamento: “Que despropósito! Este pequeno vai passar a vida inteira arrastando esta pobre perna. Na escola será vítima de chacota dos outros meninos, que o chamarão’manco’.
Para que hei de obrigá-lo a viver? O mundo nunca dará pela falta dele.”
Mas, apesar de seus pensamentos, o garoto levou a melhor. O jovem médico não conseguiu deixar de insuflar o ar da vida naqueles pequenos pulmões. Pondo-os a funcionar. Cumprindo o dever, o interno agarrou a maleta do oficio e foi embora censurando o próprio procedimento. Não posso compreender por que fiz isto! “Como se não houvesse filhos demais naquele antro de miséria. Não entendo porque deixei viver mais aquele, e ainda por cima estropiado.”
Os anos correram. O Dr. Marlim consagrou-se como médico e conquistou vasta clientela. As idéias que sustentava na juventude mudaram. Agora ele se dedicava a salvar e conservar vidas. Um dia, seu filho único e a esposa morreram num acidente de automóvel, e Marlim tomou a filha do casal para criar. Amava com todas as forças a netinha “Barbara”. No verão em que completou dez anos, a menina acordou certa manhã, queixando-se de torcicolo e de dores nas pernas e nos braços. De começo pensou-se que fosse poliomielite, a temível paralisia infantil, mas depois verificou- se que era uma raríssima infecção causada por um vírus pouco conhecido que também causava paralisia. O Dr. Marlim reuniu vários neurologistas e todos foram unânimes em afirmar que não se conhecia remédio nem tratamento algum para aquela enfermidade. Em todo caso, existe um médico no Oeste, que havia escrito recentemente sobre o êxito que tem obtido em casos como este, observou um dos neurologistas. O Dr. Marlim não teve duvidas. Tomou a neta e se dirigiu para o hospital indicado. Quando ficou frente a frente com o médico, único capaz de salvar a neta tão querida, o Dr. Marlim observou que o jovem colega coxeava acentuadamente.
-Esta perna curta faz de mim igual aos meus doentes, relatou o Dr. T. J. Miller, ao notar o olhar do Dr. Marlim.
-Consinto de que as crianças me chamem de “manco”, e elas adoram isso.
-De fato prefiro esse nome ao meu real, que é Tadeu, que sempre me pareceu um tanto pomposo e ridículo! Como a tantos outros meninos, deram- me o nome do moço interno que uma noite me ajudou a vir ao mundo...
O Dr. Marlim empalideceu-se e engoliu a seco. Por alguns minutos lembrou- se dos pensamentos que lhe ocorreram naquela noite distante: ” O mundo nunca dará pela falta dele”.
Estendeu comovidamente a mão ao jovem colega, o coxinho devotado, graças a quem a neta iria poder andar outra vez, e pensou consigo mesmo: “Em todo caso, sempre é melhor ser coxo do que cego, como eu fui, por muito tempo”.
Pensou o Dr. Marlim.
(Fonte Revista Seleções de 1948 Adaptado por M.P.S )
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